quinta-feira, 6 de março de 2008

O vento só é bom pra quem sabe velejar - uma micropolítica das utopias

Quando pequenos grupos surgem com grandes sonhos é sempre muito bonito. E quanto mais desproporcional é o sonho para a pequenez de um grupo, mais bonito ainda é, pois demonstra-se assim a coragem com que se aceita um desafio. Pois assim demonstra-se como se é grande independentemente do tamanho.

Grupos assim são uma revolução celular... Porque espalham rápido suas pequenices, porque transformam, de maneira afetuosa e cuidadosa, sonho em obstinação.

O mais perigoso para eles é deixarem de ser intensamente pequenos. A célula não precisa deixar de ser pequena para gerar um forte e saudável organismo. Ela só precisa de potência de vida, para desmenbrar-se em outras células igualmente férteis, para passar o sonho a frente.

Todo grupo que cresce demais ao invés de se espalhar em outros, ao invés de liberar o sonho, aprisona-o. E fica difícil respirar lá dentro... as pessoas vão esmorecendo, rezignando-se, sucumbindo a limites que não são mais os do sonho, mas os daquele organismo inchado e estéril. Quase sem movimentos, este verdadeiro bolo-fofo, como não consegue mais transformar, nem a si, nem ao mundo, ao invés de amar a vida, passa a brigar com ela. Isto porque, a vida muda, sempre muda... e ele não consegue mais acompanhá-la, dar conta da sua mudança. Então fica resmungando, cheio de tradicionalismos e saudosismos, dizendo que a vida é que está toda errada, e ele certo. O que ele não vê, é que se fechou para o admirável e sempre mundo novo. Não vê que a vida tem sempre razão, e é ele que não consegue mais, como disse João Cabral em O Cão sem Plumas, "ir entre o que vive". O desejo inicial e comovente, aquele de fortalecer a vida, perdeu-se lentamente no desejo de fortalecer a si próprio. Os tumores são assim... separam-se do corpo, dentro do corpo. E ele separou-se da vida, dentro da vida. Imperdoável represa de vida é o individualismo, em todas as suas formas. Nesta, de grupo, ganha outro nome para o mesmo efeito: corporativismo.

Já faz tempo li um texto do Câmara Cascudo sobre as diferenças entre a rede-de-dormir e a cama, na relação com o corpo. Está num livro chamado Rede-de-dormir: uma pesquisa etnográfica. Uma poderosa imagem antropológica, que ultrapassa a antropologia em direção a uma espécie de estatuto das relações. Diz assim:

“O leito obriga-nos a tomar seu costume, ajeitando-nos nele, numa sucessão de posições. A rede toma o nosso feitio, contamina-se com os nossos hábitos, repete dócil e macia, a forma de nosso corpo. A cama é hirta, parada, definitiva. A rede é acolhedora, compreensiva, coleante, acompanhando tépida e brandamente, todos os caprichos de nossa fadiga.. Desloca-se incessantemente renovada, à solicitação física do cansaço. Entre ela e a cama há a distância da solidariedade à resignação”.

Os grupos nos quais é possível sonhar são como as redes do nordeste de Cascudo. Embalam sonhos de menino por serem solidárias às solicitações de conforto. Tomam a forma da vida, transformando-se com ela, ao invés de deformá-la.

E já que falamos em nordeste, há também as velas das jangadas. Relação parecida têm elas com o vento. Pois é... e o vento só é bom pra quem sabe velejar.

Riso,
Sérgio

Um comentário:

Anônimo disse...

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