terça-feira, 5 de dezembro de 2006

RELATO DO PROJETO ESCOLAR DE AFRICANIDADES, ENVIADO À REDE DE EDUCAÇÃO POPULAR E SAÚDE

Bem... vai ficar longo... rs.
mas espero que expresse o quanto foi maravilhoso...

Em meados deste ano, reunimo-nos, professores e direção do meu Colégio, para definir qual seria o tema do projeto transdisciplinar que trabalharíamos. De início mantive-me calado, embora já tivesse uma boa sugestão comigo. Achava que, se um tema surgisse já de forma convergente, independentemente de qual fosse, já seria um bom início para catalisar as vontades. Mas a reunião se arrastava... passava a impressão de que ninguém queria dar uma idéia para futuramente não se comprometer com sua execução. Bem... pensei comigo, então vamos nós: "E se a gente trabalhasse a questão das Africanidades?" E quando preparava para fundamentar a opção, fui surpreendido pelo aceite geral e irrestrito...rs. Com certeza, não era uma reação natural... na verdade, era tudo o que se esperava... que alguém se expusesse. Saímos de lá com a função de pensarmos sobre como cada professor poderia se envolver com o tema, enfim, ter algumas idéias... e marcamos uma outra reunião para daí a 15 dias. A coordenadora pedagógica colocou em um mural na Secretaria, que também é sala de professores, uma folha para que as idéias fossem sendo colocadas ali durante este período. Até para ver se o negócio animava... Mas a folha ficou vazia. Preparei um miniprojeto, propondo uma forma para os trabalhos e danei a realizar contatos com movimentos que pudessem nos dar alguma orientação. Os contatos vinham sendo animadores e as possibilidades começaram a surgir.A 2ª reunião transformou-se na análise das propostas do Sérgio, já que nada se tinha além disso. Confesso que fiquei um pouco desanimado. Achava que a coisa, como estava sendo conduzida, iria chegar com desânimo aos alunos e seria um fracasso. Um monte de murais, e nada mais. Isso, sem falar, que me incomodava um pouco o fato de os alunos não estarem participando deste processo inicial. Era uma coisa feita somente para os alunos, mas não com eles... Chegamos a passar alguns filmes para eles assistirem, mas sem muito eco.

Bem, num dia, a coordenadora pedagógica me deu uma senha interessante. Falou que a Direção iria bancar o projeto independentemente de os professores quererem ou não, e que eu continuasse meus contatos. Aí então sugeri que talvez forçar não fosse a melhor opção... que nós poderíamos envolver os alunos, tentar motivá-los, que a coisa acabaria acontecendo por pressão deles.

E assim fizemos. Dividimos as turmas em Câmaras Temáticas (Religiosidade Negra e Sincretismo, Musicalidade, Culinária negra, O Negro na Literatura, Arte e Cultura negra, Indicadores da exclusão racial e caracterização externa da escola), que seriam orientadas por um professor, ainda não definido. Cada uma delas pesquisaria uma dessas temáticas, pensando já na adequação do espaço de sala que utilizariam. Um dia eu e a coordenadora visitamos as turmas e, em resumo, falamos para eles: "Olha... vocês são uma Câmara Temática... as pessoas que visitarem o espaço de vocês terão que respirar aquilo que vocês pesquisaram. Não é só mural... é mural também... Olhem para a sala de vocês como se ela fosse uma folha de papel em branco... e criem". Eles ficaram ouriçadíssimos... "Mas prof. como é esse negócio aí..." Outros eram dramáticos: "Meu Deus... isso não vai dar certo...". Outros eram mais práticos: "Vai valer nota professor?"...rs. Mas a intenção era essa mesmo, criar o burburinho, o disse-me-disse, para depois fazer uma reunião entre os professores, já com esse impacto, e definir quem seria o facilitador de cada turma.

Olha... que reunião diferente das anteriores... rs. Os professores diziam: "Os alunos não falam de outra coisa... como vai ser isso?" No fundo, no fundo, os alunos deram uma pressão neles... rs, estavam exigindo respostas que eles ainda não tinham, e a reunião que tivemos foi a mais propositiva dos últimos dois séculos... rsrsrs.
Fechamos então como seriam as orientações de pesquisas, a estrutura, a data do evento (01/12/06) e os professores ficariam com quais turmas. A professora de física e matemática pegou a turma de indicadores, o de Ed. Artística, a de Arte e Cultura Negra, e assim foi indo por afinidade com o conteúdo. Eu fiquei com a de caracterização externa e, como ninguém queria pegar a Câmara de Religiosidade Negra, com receio de conflitos com alunos evangélicos, resolvi assumir essa também... confesso que também com um certo frio na espinha.

Tínhamos somente duas semanas para os preparativos, e, analisando mais friamente agora, o tempo exíguo foi mais um fator agregador, do que propriamente um estorvo. Complicou sim, e muito, a questão dos contatos, pois a maioria dos movimentos que convidamos não tinha como se comprometer por já terem compromissos. Eu corria atrás de uma apresentação que pudesse fechar o nosso evento com pompa e circunstância... rs. Mas, sem dinheiro, só por amor, a coisa se complicava. Aliás, uma boa coisa para discutirmos um dia está aí: a profissionalização, no meu entender, excessiva, da maioria das Ongs e movimentos. Muitos deles sequer respondiam... funcionavam como empresas de consultoria cultural. Obtivemos eco desde o início com o pessoal do Ibase, engajado na campanha "Onde você esconde seu racismo?". Recebemos deles filmes publicitários, folders, cartazes e até pulseirinhas do "Combate á pobreza". Coisas que, à exceção das pulseiras (pois poderia dar confusão...), entreguei ao pessoal do 1º ano, que estava responsável pela caracterização externa.

Dei uma sorte tremenda de haver na Casa da Moeda (trabalho do qual pretendo me livrar o mais rápido possível, para atuar apenas como educador...) uma manifestação no dia da Consciência Negra, com a apresentação de alguns grupos culturais. Dentre eles, conheci um maravilhoso: a Orquestra de Atabaques Alabe Funfun. Mais de dez atabaques tocados por homens vestidos com indumentária branca, um lindo canto em dialetos africanos e mulheres que evoluíam à frente da orquestra, com uma dança rica em braços e movimentos. Conversei com o Miguel, coordenador do grupo, sujeito muito especial, que, para o meu espanto, aceitou prontamente o convite. Só pediram transporte e alimentação, o que desde já, era totalmente razoável e viável.

Bem... enquanto eu ia fechando a apresentação com a Orquestra de Atabaques, as coisas iam de vento em popa na pesquisa dos alunos. Com o 1º ano, os trabalhos já estavam bem adiantados... tiveram idéias muito boas utilizando materiais trazidos de casa, ou conseguidos de outras maneiras. Só os ajudei a organizar as próprias ações, definir o que seria solicitado à Direção e a distribuir as tarefas entre eles. Eles queriam ainda fazer uma encenação de um açoite a um escravo. Falei que achava muito legal a idéia, mas que eles poderiam aprimorá-la, sei lá, fazer uma relação com os tempos atuais, para incrementar a imagem. Deixei-os debatendo a questão, e fui saindo de fininho, com a certeza de que aquela turma estava num caminho bem legal. Restava uma atenção bem mais estreita ao 2º ano, a turma da Câmara Temática de Religiosidade Negra e Sincretismo.

Gosto muito desta turma... tenho com ela uma relação bem forte. Boa parte das estórias que já contei por aqui, sobre minhas experiências com alunos, foram vividas com eles. Nossas aulas são sempre bem produtivas e engraçadas. Tem cada peça que vocês não imaginam... rs. Esta interação gostosa me deixava animado, mas eu sabia que ia tocar numa zona complicada para eles... e tinha consciência de que precisava transformar a ocasião num momento de crescimento, não só para eles, mas para mim também. Mostrar que eles precisavam ser maiores que os preconceitos da sociedade, e que neste caminho aprenderiam muito sobre si próprios como brasileiros afro-descendentes.

Bem, falei então que não faríamos apologia a qualquer religião que fosse, que nosso objetivo era a valorização cultural do sincretismo brasileiro. Neste dia, até música cantei para eles... falei um pouco de história dos povos africanos, da importância e da discriminação dos elementos culturais brasileiros de origem negra, como o samba e o funk, e que o candomblé talvez fosse o mais discriminado. Lembrei-os do"Pagador de Promessas" e do quanto ele representava o nosso sincretismo. E aí veio então a proposta de encenação deste filme. Adorei e comecei a dar asas a turma. "Vamos dar idéias gente... vamos construir isso aí juntos..." À medida que as idéias iam surgindo, íamos tentando adequá-las a nossa adaptação, e a coisa ia esquentando... Mas havia ainda algumas caras de poucos amigos. Fingi que não as via, e ia valorizando entusiasmadamente as contribuições que eram dadas. Pensamos em construir dois ambientes: um terreiro, onde o Pagador de Promessas receberia sua obrigação; e a igreja, onde ele iria cumpri-la. Essa estória é mesmo muito rica. Fazer uma promessa para Iansã, e pagá-la para Santa Bárbara (já que estes santos acabaram tornando-se correlatos no sincretismo brasileiro...), cá pra nós, é a cara do Brasil... luxo só...

As idéias iam gerando os compromissos... "Eu trago folha seca para espalhar no chão", "Eu vou ao supermercado pedir saco de batata pra cobrir a parede", "Prof., eu trago as velas...", "Eu posso costurar as saias de TNT". "O que vocês acham de fazermos a igreja amarrando barbante na janela e estendendo lençóis?". O negócio ficou tão quente que a aula mais parecia uma feira... rs. Uma aluna falou: "Prof., vou cortar uma bananeira lá de casa, e vou trazer...". Eu ri muito... "Assim o Ibama pega a gente, Janaína...". E ela retrucou: "Que nada prof., bananeira só dá banana uma vez e depois morre. E a minha mãe vai cortar mesmo... eu só vou trazer pra cá. "O Maurício que é bem magrinho provocou: "Ó, se precisar de um homem forte, eu posso ajudar a carregar...". Turma abaixo e risos escangalhados... como era díficil retornar as propostas... mas deixei as coisas assim, meio com jeito de feira mesmo, porque via que isso estava mobilizando a galera. Tentei organizar:"Gente! Então vamos com bananeira e tudo mais... Mas a gente precisa definir os atores e ensaiar a peça..." E aí então toda a turma indicou a Rozenilda para fazer a mãe-de-santo. Rozenilda é a mais doidinha da turma... fala tanto que parece mais uma matraca, e, do jeito dela, evangélica fervorosa. Olhei para ela e provoquei: "E aí Rozenilda... aceita o papel, ou vai correr da raia?". Ela fez um breve silêncio, uma cara de charminho e... "Tá bom, tá bom, eu faço..." A turma vibrou como um gol e todos riam sem parar. Uma voz gaiata disse: "Ah, mas eu não falto nesse dia de jeito nenhum...". Bem, no tempo que restou definimos os outros papéis e marcamos dois ensaios. João, o melhor aluno da turma, ex-detento (coisa que só confidenciou a mim no colégio), ficou com o papel principal. Nilson, rapaz negro bem tímido, faria o padre. Núbia, Elisângela e Fátima, esta última, cadeirante,fariam as carolas que provocam o Pagador de Promessas, enquanto este carrega a cruz. No final da aula, a coordenadora pedagógica me informou que já havíamos conseguido com os alunos a apresentação de um grupo de capoeira e maculelê, além de uma mesa de som para tocar as músicas do cd de africanidades que eu havia baixado da internet, exatamente como fiz com os da edpopsaude. As coisas se encaixavam... todas as turmas estavam com os trabalhos adiantados e a escola estava pronta para o evento do projeto.

E o dia veio...

O grande dia chegou com um ar de ansiedade, que só para dar uma mostra, Leonilda, do 2º ano, chegou ao Colégio às 17:30h. O pessoal da escola do município, que funciona durante o dia, ainda nem havia saído. Tínhamos marcado de chegar às 18:00h para arrumar as coisas. Falei para ela: "Mas mulher... porque tão cedo assim? Vai dar tudo certo...". E ela retrucou: "Ah professor, tô muito ansiosa. Quero começar logo a fazer as coisas...". A escola convidou também os familiares, e isso, acredito, acabou mobilizando-os mais ainda. E o pior é que eu, ansioso mor, ainda tentava acalmá-los... rs.

No dia anterior, durante o ensaio geral, aconteceu uma coisa curiosa. Organizávamos a peça, que teria, em meio à atuação do atores, leitura de textos e músicas, e, em determinado momento da adaptação, o dia amanheceria. Mas só acender as luzes, poderia não deixar claro o amanhecer... Perguntei então: "E aí gente... como a gente poderia fazer para a platéia perceber que o dia amanheceu?" Rozenilda falou:"Já sei professor! Meu filho imita passarinho que é uma beleza. Eu trago ele, pra cantar na hora..." Todos riram e eu falei: "Beleza Rozenilda... mas não vai trazê-lo numa gaiolinha, não, hein... rsrs".

Bem, quando já estávamos arrumando as coisas, me chega a Rozenilda toda orgulhosa falando: "Aqui prof.... esse é o meu menino que vai imitar passarinho..." Respondi: "Ah é? Canta aí pra eu ouvir então passarinho...". E então ele me perguntou: "O senhor quer que eu imite sabiá, curió ou azulão?". Não consegui conter o riso... rsrsrs. Ele cantou os três cantos, e eu nem sei mais qual escolhi. Apenas disse-lhe o momento que ele cantaria, e continuamos os preparativos. O menino ficava o tempo todo com um copo de água na mão, e dando pequenos goles, para molhar a boca, ou o bico...rs, e assim evitar que o canto falhasse na hora h... rs.

Minha irmã, que está fazendo sua monografia de final de curso de História sobre a inserção do negro no futebol, chegou com datashow e tudo mais para dar sua palestra. Logo depois foi a vez do Luciano, doIbase, chegar. Pedi um tempinho enquanto corria atrás das urgências... arrumando as salas para as palestras, atendendo os alunos que faziam a caracterização externa, e tudo mais que aparecia. O Colégio respirava um ar de loucura divina, de confluência de forças para um fim, que arrepiava a todos e não deixava ninguém parado. O cronograma ficou assim: Primeiro haveria as palestras, depois as visitações às Câmaras, em seguida, a leitura e encenação do "Navio Negreiro, de Castro Alves (da 8ª série), a dança da Morena d´Angola (da 7ªsérie), a apresentação do grupo de capoeira e maculelê, e, por fim, a Orquestra de Atabaques. Nossa... tudo isso em 3 horas. Apesar de eu e a coordenadora termos programado direitinho os tempos, dava um frio na espinha danado das coisas atrasarem.

Quando voltei para a sala do 2º ano, os preparativos já estavam quase terminados: a igreja, o centro de umbanda, a cruz etc. Tudo muito lindo! Um grupo de meninas, já com saias de TNT vermelhas, que fariam as figurantes do terreiro, ainda arrumavam a Rozenilda, que estava toda bonita, maquiada, com turbante, charuto na mão e tudo mais... rs. Falei para eles que as palestras já haviam começado, e que fossem para lá prestigiar nossos visitantes, a exceção dos atores, para que pudéssemos passar o texto pela última vez. E assim fizemos...

Ao terminarem as palestras, havia chegado a hora da verdade... reuni o grupo, e falei que eles não se preocupassem com o texto... que eles falassem, como achassem melhor o que a cena pedisse... que não éramos atores e que o mais importante era o acontecia por dentro da gente, e o que conseguiríamos provocar nas pessoas que nos assistiriam. Abrimos então a porta e muitas pessoas já esperavam para entrar. O espaço reservado para a platéia era para umas 15 pessoas, mas entraram umas 20. Janaína que leria os textos e Eline que colocaria as músicas já estavam a postos. Rozenilda, João (Pagador de promessas), Nilson (padre) e Núbia, Fátima e Elisângela (as carolas), também... Com as velas do terreiro já acesas e as demais meninas em volta da Rozenilda, pedi silêncio, apaguei as luzes e estava começado o espetáculo...

Janaina: "UMA MÚSICA, VÁRIAS CULTURAS!!!"
Eline: soltou uma música instrumental com elementos negros, indígenas e portugueses, que consegui com uma amiga. Depois de uns 30 seg., ela foi abaixando o som até que Janaína falou o 1º texto, explicando o que era sincretismo...
Eline: Ao final do texto, colocou uma música da Clara Nunes, com um batuque fortíssimo e que a letra dizia assim: "Iansã, cadê Oxum? Foi pro mar...". Todos os que compunham o cenário do terreiro, dançavam... a exceção de João que mantinha-se ajoelhado em frente à Rozenilda. Esta, com charuto na mão, e movimentos de dança excessivos, já arrancava os primeiros risos da platéia. Ela estava fazendo sério, compenetrada, mas o sério da Rozenilda já é engraçado... uma artista... rs. A música foi sendo abaixada e o texto começou.
João: "O minha mãe, vim aqui para cumprir minha obrigação, porque meu filho já não tá mais com barriga d'agua... tá bonzinho, graças à senhora e à Iansã...".
Rozenilda, com voz de mãe-de-santo: "Suncê agora me deixou feliz, meu filho... Então o barrigudinho já tá bom? Que bom... Que bom... Ho! Ho! Ho! Suncê agora vai construir uma cruz e levar até o altar de Santa Bárbara, pra cumprir sua promessa... Vai com Iansã meu filho...".
João, ainda com as luzes apagadas: "Tá bom, minha mãe..." e levantava indo até onde estava a cruz, e batia nela como se a estivesse fazendo. Depois deitava exausto sobre ela e dormia (o simbolismo dele deitado sobre a cruz ficou lindo...). Depois de uns segundos, acendi as luzes, o passarinho cantou... rs, e o João se espreguiçou levantando... Colocou a cruz nas costas e foi em direção à Igreja. As carolas começaram a importuná-lo...
Núbia, Fátima e Elisângela: "Para que carregas essa cruz? Pensas que é Jesus Cristo? Onde vais com ela?"
João: "Estou indo para o altar de Santa Bárbara, pagar uma promessa para minha Iansã...".
Núbia, Fátima e Elisângela: "Mas é um endemoniado... não vês que esta é a casa de Deus, e não um terreiro? Que absurdo! Vamos falar com o padre..." E as carolas entravam na Igreja, e começavam a cochichar com o padre, enquanto o pagador de promessas batia a porta.
Nilson (padre), com voz acusadora: "O que queres na casa do Senhor?"
João: "Vim pagar uma promessa para minha Iansã, padre... que é igual à Santa Bárbara. Tenho que levar essa cruz até o altar..."
Nilson: "Mas quanto insulto!!! Não vês que o Senhor é o único caminho? Jamais entrará na casa de Deus com esta cruz... E vá embora..." (e a porta se bate...). João agacha-se com a Cruz e chora...
Janaína fala o 2º texto, sobre tolerância religiosa... que terminava com a seguinte frase, gritada por todos juntos: "ECUMENISMO É A PALAVRA DE PAZ!!!"

Eline solta a última música, também da Clara Nunes, "O mar serenou quando ela pisou na areia... quem dança na beira do mar é sereia...". E todos começavam a dançar e a puxar todos da platéia para dançarem juntos. Olhei para minhas irmãs na platéia com os olhos marejados, e marejei os meus também, como agora quando escrevo essas lembranças... Gritei, em meio a música e a dança: "Valeu 2º ano!!!". E todos começaram a se abraçar, como se comemorassem um gol... Vieram me abraçar e quase caímos...rs. Retomei então a pose de Diretor... rs, e falei: "Vamos nos preparar, porque ainda dá tempo para mais uma apresentação!". Uma nova platéia entrou, e tudo deu certo de novo.

Ao final, quando sai da sala, havia uma grande aglomeração no pátio do Colégio. Fui ver o que era... Era o 1º ano fazendo a encenação do açoite ao escravo... Eduardo, grande cara-de-pau da turma, agarrado à pilastra, e cheio de guache vermelho nas costas, era açoitado por outro aluno vestido de feitor. Acima uma folha escrita assim:"PASSADO". Na outra pilastra, José Carlos, deitado no chão, com roupas de mendigo, pedia esmolas. Acima, a palavra: "PRESENTE". Na pilastra seguinte: Marcos, menino negro, todo bem vestido, estudava lendo um livro. Acima, a palavra: "SONHO". Gente... não acreditei no que estava vendo... Perfeito! E de repente, Jampolina, a representante da turma começou a explicar as imagens para a platéia, falando da exclusão ao negro ao longo dos tempos... O público estava meio estupefato com a imagem, e então eu gritei: "PARABÉNS 1º ANO!!!"... e iniciei os aplausos, que foram longos e cheios de gritinhos...

As atrações que se seguiram tiveram essa mesma impressão de êxito total. Eram sempre seguidas de abraços e comemorações entre os alunos... O tempo, que estava apertadíssimo, acabou dando legal para todos, e o grande final, com a capoeira, o maculelê e a Orquestra de Atabaques, foi regado a muita dança e música. Minha mulher, Rita e, meu filho, João, chegaram a tempo de ver bastante coisa ainda. Na capoeira, João tentava, com sua sapequice, imitar as piruetas dos capoeiras. Ás 10:15h, as atividades todas terminaram, e as salas já estavam todas arrumadas. A coordenadora pedagógica, que também se dedicou muito, desde o início, já havia coordenado as arrumações com alguns voluntários. Só aí fui lembrar que estava com fome, com sede, com vontade de ir ao banheiro, tudo junto... Antes, eu nada senti... também pudera... rs.

E saí de lá com a impressão de dever cumprido, para jantar... sem recordar, na memória da minha estrada de docência, de vivência mais intensa que aquela...

Riso,
Sérgio

4 comentários:

Unknown disse...

Nossa! Que texto maravilhoso! Estava à procura de alguma idéia para trabalhar na feira cultural da escola e me deparei com esse registro de experiência maravilhoso! Confesso que fiquei super animada em desenvolver essa experiência em minha escola. Parabéns, Sérgio!

Sérgio Ramos disse...

Oi Rosemeire,
foi uma experiência mesmo muito intensa... legal saber que essa intensidade pode gerar outras... Obrigado pelo comentário generoso, e desculpe pela demora na resposta... tenho postado pouco no blog ultimamente. Riso.

cintiaquintas disse...

Sérgio Parabéns!! Trabalho em Guarulhos e sempre me envolvo com temas sobre Africanidades. Encenei com meus alunos uma puxada de rede e entrega a Yemanjá. foi lindo.. Adorei sua idéia e gostaria de sua autorização para usa-la como inspiração para um projeto que estou desenvolvendo.
Obrigada, cintia

Sérgio Ramos disse...

Oi Cintia, os textos até tem dono... mas as experiências são sempre coletivas... então é muito legal que você queira usá-la como inspiração... toca o barco... e se conseguir, me dê um retorno da sua aventura... Beleza. Abraço, Sérgio