terça-feira, 21 de junho de 2005

UM SILÊNCIO INVISÍVEL - mais um "causo" escolar

Tomei conhecimento de um fato com meus alunos que moram em favelas daqui do Rio de Janeiro, na Ilha do Governador, para o qual fiquei sem palavras.

Como os enfrentamentos entre traficantes e entre traficantes e policiais têm atingido, nas últimas semanas, um nível assustador na Ilha, um grupo de moradores organizaram uma passeata para pressionar as autoridades por uma solução. A passeata foi um fracasso, meia dúzia de gatos pingados, que não tiveram visibilidade sequer nos noticiários locais. Um aluno me falou que os traficantes da Favela do Dendê, a maior da região, ameaçaram de perder a casa quem participasse da mobilização. Eles as invadiriam e expulsariam os moradores.

Vendo a minha perplexidade diante do fato, ele emendou ironicamente se dirigindo a um outro aluno que só nos escutava: "Ih, o professor ficou assustado, aí... Professor, se o senhor quer saber, quando os caras lá da Vila Pinheiro invadiram o Dendê, os caras lá do morro ficaram mais de dia escondido nas casas dos moradores sem sair de lá pra nada, comendo, bebendo e dormindo até arranjar como sair".

Depois que eles se afastaram, eu fiquei tentando pensar sobre aquilo... imaginando as condições de vida das pessoas dessas comunidades pobres, dessa gente invisível... com uma dor inaudível, pois torna-se medo, e se cala.

Não me espanta que, segundo pesquisa recentemente divulgada nos jornais, 47% dos brasileiros sequer ouviu falar da crise política brasileira ou de mensalão... Eles têm problemas muito maiores "do que essa coisa de político que não resolve nada...", como se diz. Problemas soterrados pela hipocrisia social que só enxerga a violência e a desigualdade quando estas tomam o asfalto com seus pivetes e pedintes. Não há crueldade maior, violência maior, que a do desprezo à humanidade, que a exclusão pelo silêncio.

Disperso, adentrei à sala. A aula seria sobre o nascimento da Sociedade Política na Grécia. Daí eu puxaria debates sobre Cidadania, Ética, Política, Participação Popular, no intuito de gerar inquietações e contextualizações atuais. Mas... como falar dessas coisas depois dessa pedrada?! Pensei em falar sobre o ocorrido, enfrentar o problema de frente, para provocar participações numa espécie de catarse coletiva do medo. Mas romperia assim com a confiança dos alunos que me confidenciaram o fato, e o medo deles precisa ser considerado. Atado e sufocado pelo silêncio gritante da hipocrisia social, dei a aula que estava prevista... sabe lá Deus como, mas dei.

Mas confesso que não conseguia fixar o olhar nos olhos daqueles dois meninos... Lembro bem... Não eram olhares desafiadores ou irônicos, como os de quem reconhece o próprio drama. Eram olhares vazios de humanidade, vazios de desejos... e, por um momento, por uma aula, eu pude sentir a angústia de ser invisível.

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