quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

Sobre o Sirimim e outros amores

O Manoel de Barros faz comigo uma coisa muito interessante... ele me cala. As pessoas que convivem comigo sabem o quanto isto é difícil de acontecer... rs. Mas, ditas por ele, as coisas ganham uma densidade tão definitiva, que já não parecem mais palavras, mas sim coisas. Quando olhamos uma árvore com o vento a lhe balançar a copa, não há nada a dizer... é como se o vento nos balançasse junto. Uma vez li um poema de um autor chamado Fábio Rocha que dizia assim: "o silêncio de quem fala, e cala, é incompleto". E com certeza o silêncio das árvores, ou o que está por dentro de uma poesia do Manoel, é mesmo muito maior que aquele que se provoca em nós.

Gosto das versões do amor que o definem como nossa integração ao Todo. Talvez seja por isso que nos calamos de frente para o Manoel ou uma árvore. Damo-nos tanto, que já nem damos conta do que estamos recebendo. Apenas balançamos junto com eles. Certa vez li um conto do Guimarães Rosa chamado "O riachinho Sirimim". Olha... fiquei lendo esse conto durante mais de uma semana, muitas vezes, e eventualmente ainda o leio. E cada vez que mergulho nesse rio, é um prazer outro... como diria Heráclito, um outro rio. Ao lê-lo, não vejo as palavras, vejo o Guimarães como um pintor, um colorista, desenhando cuidadosamente imagens nas quais ele mesmo brinca, devagarinho, contando o rio, a formiga, as árvores, as gentes. Aliás, as gentes, nesse conto, tinham o tamanho de formigas... eram enormes. Elas faziam parte do universo Sirimim. Estavam a ele integradas como a terra vira lama para beijar o rio.

Talvez, o Manoel seja como o Sirimim... nos faz experimentar um universo enorme e paradoxal, onde as árvores, as gentes e as formigas têm o mesmo tamanho desse universo. Cada hora um salta e ganha o Todo. Esse amor in natura que junta vidas, que produz a lama, com certeza, é o mesmo que nos paraliza diante de um olhar apaixonado, que nos dispara o sangue internamente e nos integra ao Todo.

Quem é da roça sabe, dor no joelho e chão sem formiga, é sinal de chuva. Hoje em dia, estamos tão longe de nós mesmos, que precisamos de meteorologia. Os pés de nossos filhos já não tocam mais o chão, e banho de chuva, dá gripe. Até quando vamos continuar a nos separar da vida? Até quando vamos continuar a desamar?

Na África (se não me engano), por ocasião das tsunamis, os elefantes salvaram a si e aos os turistas que conduziam, subindo montanhas antes que as ondas gigantes chegassem ao litoral. Aliás, li em uma matéria que nenhum animal morreu no desastre. Como eles sabiam? Como poderiam saber? Pois é.... estamos mesmo muito distantes...

Deixo com vocês um pouquinho de silêncio...

Hoje completei 10 anos. Fabriquei um brinquedo com palavras.
Minha mãe gostou. É assim:
"De noite o silêncio estica os lírios."
(Manoel de Barros)

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